De O GLOBO
BRASÍLIA – O Rio de Janeiro é o estado brasileiro que menos consegue concluir investigações sobre assassinatos — apenas 11% dos casos são elucidados. É o que aponta o levantamento “Onde Mora Impunidade”do Instituto Sou da Paz, divulgado nesta segunda-feira. Os dados do estudo são de 2017 e foi identificado o percentual de apurações de homicídios que se tornaram denúncias oferecidas pelo Ministério Público à Justiça em cada estado até dezembro do ano seguinte.
Além do Rio, outros estados que não tiveram taxas elevadas de solução dos casos de assassinato são Pernambuco (21% se tornaram denúncias à Justiça), Acre (29%) e Paraíba (30%).
O Distrito Federal apresentou os melhores dados , com 92% dos casos solucionados. Mato Grosso do Sul (67%) e Santa Catarina (63%) também tiveram percentuais elevados de solução dos crimes.
Ranking da solução de assassinatos
Taxa de elucidação de casos de 2017 esclarecidos até o fim de 2018
Distrito Federal
92%
Mato Grosso do Sul
67%
Santa Catarina
63%
Rondônia
58%
São Paulo
54%
Espírito Santo
42%
Mato Grosso
40%
Paraíba
30%
Acre
29%
Pernambuco
21%
Rio de Janeiro
11%
Fonte: Instituto Sou da Paz
As estatísticas são realidade na vida de Laura Ramos de Azevedo, de 37 anos. Desde 30 de dezembro de 2018, ela espera por uma resposta sobre o assassinato do filho. À época com 18 anos, Lucas foi morto no Morro da Pedreira, Zona Norte do Rio. Mesmo tratando um câncer, ela tenta acompanhar o caso. Laura relata que desde fevereiro de 2019 o caso não anda. Ela afirma que policiais militares foram responsáveis pela morte do filho.
— Acompanho diariamente o processo, entro no site umas dez vezes por dia. Eles deram o prazo 60 dias em 25 de fevereiro de 2019 e, até agora, nada. É revoltante. Sinto como se estivesse dando murro em ponta de faca — diz ela. – Durante quatro anos, o preparei para viver sem mim. A ironia foi eu ficar sem ele, da forma tão brutal que foi.
Coordenador do Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, o professor Michel Misse cita circunstâncias do modelo jurídico e policial do Brasil, em geral, e caraterísticas do Rio, em particular, ao analisar o números.
— O modelo brasileiro é muito ruim para a elucidação de crimes continuados, como, por exemplo, homicídios em grande quantidade praticados pelo mesmo grupo. O inquérito policial é preso a uma orientação jurídica, quando devia ser alinhado a um trabalho de técnica de investigação e perícia, o trabalho de detetive da polícia — explica Misse. — Esse tipo de trabalho não é bem realizado pois todo o inquérito passa pelo controle do delegado, cujas orientações são, fundamentalmente, jurídicas. Além disso, às vezes, o local do crime está dentro de uma favela, sob controle de uma facção criminosa, o que impede o policial de fazer a investigação. Isso é uma coisa muito característica do Rio, que explica um pouco a baixa taxa — diz o professor.
Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, diz que o Brasil que a falta de dados e informações do sistema de investigação e da Justiça brasileiros agravam o problema.
— Ao longo das três edições, só quatro estados forneceram os dados para as três edições da pesquisa. Isso já mostra muito como as estruturas de Justiça não estão preparadas para entregar informações, e isso diz muito de uma lógica de gestão penal, de controle do crime, que é muito pouca baseada em dados e informações e muito no caso a caso — diz Carolina.
Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul e Roraima não entregaram os dados completos. Outros estados sequer responderam ao instituto: Amapá, Amazonas, Maranhão, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins.
— Lutamos para ter o Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública e Justiça Criminal (o SINESPJC), do Ministério da Justiça, atualizado e não temos. Quando não colocamos luz e priorizamos o esclarecimento desse crime, damos o recado de que ele não é importante, não valorizado pelas autoridades, o que gera uma sensação de impunidade. E, ao mesmo tempo, o sistema de Justiça e segurança e nossas polícias trabalham muito, mas, talvez, o foco esteja errado — analisa Carolina.